sexta-feira, 15 de novembro de 2019

COLMEIA (O MEL) | Poema | Matilde Campilho


Somos tão jovens ainda
mas ao mesmo tempo agora
a nossa pele não é mais a mesma

Atravessámos os grandes lagos
com grandes pisadas noturnas,
grandes fogos no lugar do coração,
grandes olhos grandes graves

Palavras que mais tarde abandonámos
sobre as placas de gelo branco

Fomos o princípio da transumância
Os reizinhos perseguindo as vacas
sobre a areia de uma praia clara

Chegámos sempre perto da cor primordial
Nunca perdemos de vista os bichos

Jogámos bowling na cordilheira
E uma vez até comemos do fruto
da terra & do trabalho do homem

Somos jovens agora e as cidades
governam nossa linha de passe
Nos desviamos dos automóveis
precisamente na hora agá
Pedimos comida em take-away
e conversamos muito com os pássaros

Estamos jovens mas um pouco menos jovens,
um pouco menos firmes,
um pouco menos sol e aço e flor

O nosso corpo nos carrega pelas ruas
à procura de um animal de pelo claro
Fomos os garotos do fogo-fátuo
Seremos os homens da idiotia
Ou não, talvez não:
Há uma praia à nossa espera,
um ringue de patinagem guardado só para nós

Há um deus antiquíssimo atrás da porta
E ele está de sapatos nas mãos
espreitando a fenda em nossas vidas
Contando pelos dedos a escuridão
e esperando a brecha certa
para que possa entrar e revelar
o passado o futuro o presente
O mundo do bom desporto
O planeta das aprendizagens primárias

Somos jovens meu irmão
Oh dear oh dear we’re holdin’ on
Ainda há tempo para envelhecer.

Matilde Campilho

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